Iceberg

Era possível ouvir o gelo se partindo. Um coração frio e rígido como uma enorme pedra de gelo, um iceberg... na verdade ela sempre foi mais iceberg que gente, escondia mais da metade do que era na profundeza de dentro, por de trás de uma superfície bonita e pontiaguda. Olhando de fora realmente não dá pra saber como era extraordinária por dentro, e ninguém fazia mesmo questão de chegar mais perto daqueles picos afiados, ameaçadores. Sempre que alguém conseguia tocá-la, no entanto, ela se derretia aos poucos escorrendo em lágrimas pouco salgadas. Fugia. Mas dessa vez foi diferente, ela não conseguiu sair correndo, seus pés endurecidos se recusaram a fazer mais esse esforço sem sentido, mais uma fuga sem remédio, porque as pessoas no mundo insistem em chegar mais perto... as vezes a gente pensa que não, que estamos abandonados em redomas de aço nesse mundo capital, mas a verdade que ela via na prática é que existe uma coisa nos humanos, seja curiosidade ou cuidado, que não cansa de tentar ficar junto. Sem conseguir fugir, de tão perto, de tão perto, de tão perto nasceu uma rachadura na casquinha da superfície, e foi rachando e rachando até que todo o gelo nela virou pedacinhos, e o humano que havia dentro daquele bloco gelado foi esquentando e derretendo o que restou. Dessa história só sobrou a menina que foi iceberg, o outro que ficou tão junto, e um copo de raspadinha.

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